1. |
Lampejo
04:31
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Ver, quero ver
Não me tomes pelo braço
Ver, deixa-me ver
A feira franca da verdade
Ver, quero ver
Tudo visto num lampejo
Oh quanto dilema tem o cego
que no cerro ganhou um olho
que só veria por uma vez
que só veria por uma vez
Ter, quero ter
Não evites embaraço
Ter, quero ter
A visão monda da idade
Ter, quero ter
Tudo tido num desejo
Oh quanto dilema tem o cego
que no cerro ganhou um olho
que só veria por uma vez
que só veria por uma vez
Ver, quero ver…
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2. |
Podre Poder
04:35
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Fugir fugir
Da morte,
Essa parvoíce pintada de preto
Essa promessa sem palavra
Essa partida parando a parar
É viver viver
O mote
Desse pacto pobre e proibido
Desse poder e prudência
Dessa paz no porto da paciência
Perde mais o olhar que prende
É ele podre poder
Mais se toma de um lampejo
Dum trago tudo sorver
Pouco mais se quer de um olhar
Que pôr bem claro um querer
Pouco mais se pode de um olhar
Que pôr clara a ânsia de ver
Sentir sentir
Alento
Essa prata de um aço puído
Esse pio perdido e pousado
Esse vento posto para o passado
É fazer fazer
Capote
Desse pranto pardo da partida
Desse padroeiro sem padrinho
Desse patriota sem um país
Lavrar lavrar
A alma
Plantar as pérolas e as piónias
Prometer as pontes e plenitudes
Procurar palavra sem pudor
É arder arder
Archote
Proibir paragem e pactuário
Pagamento parco ou palpite
Perguntar ao sonho pelo limite
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3. |
Obscurantismo
03:29
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O ruído também se colhe
Em sortidas cores e safras
Crescido alto nos estames
Fornido, tomado às lavras
E se o silêncio é escuridão
Treva posta pela calada
Ruído é luciluzão
Visão incerta e alucinada
O ruído também se tolhe
Quando marchamos pelas praças
Perdido fino para os gravames
Estampido cortado às lascas
E se o silêncio é ilusão
Fumo posto pela calçada
O ruído é intrusão
Visão coberta e inquinada
(trigo-vime, tom de silêncio)
É que o ruído não colhido
(trigo-vime, tom de silêncio)
È som tolhido e mal ouvido
O ruído também se escolhe
Ao invés do aconchego
Muro alto de arames
Erguido, sem as palavras
E se o silêncio é perdição
Vazio posto por uma estrada
O ruído é distração
Visão turva e alapada
O ruído também se acolhe
Como à dor dadas as graças
Revivido nos queixumes
Corrompido de ameaças
E se o silêncio é conclusão
Final posto numa caçada
O ruído é oclusão
Visão inverta e alienada
(trigo-vime, tom de silêncio)
É que o ruído não colhido
(trigo-vime, tom de silêncio)
È som tolhido e mal ouvido
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4. |
Clarificação
03:08
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Acende-se a luz
Que mais com ela fazer
Desatá-la em demais fios
Desfiá-la em desafios
E atá-la à maré cheia
Lua nova ou lua meia
P’ra que não baixe nunca
Dar-lhe brecha, uma demanda
Por onde passe e encandeie
Quem sabe, ardida, incendeie
Ou vá para outra banda
Restaurar o corpo inteiro
Espraiar-se pelo centro
Ficar-se por um dentro
Feita eixo, fuso ou veio
Vê-la entrar e subir vãos
Recortar em linha recta
Desunir cegueira certa
Mostrar onde pôr as mãos
Deixá-la desaparecer
E romper-lhe o regresso
Sumida, ida ao avesso
E com isso escurecer
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5. |
Os Pássaros
03:01
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Essa sombra tão bem posta
Umbra feita de mulher
Baila desnuda e bem sabida
De tudo quanto quer
Essa sombra ambiciosa
Farpa da noite ao alvor
Baila airosa e convencida
Da perda do pudor
E a cisma continua,
Turva, bruta a teimar,
De que é o enlaçar da ave
Que nos deixará voar
Mas os pássaros chalreados todos cegos
de vendafaixa não lhe falam de candor
esses presos,
na sobre-saia não lhe cantam de candor
Essa magra endiabrada
Esse brinde de mulher
Baila ciosa e bem vestida
De tudo quanto quer
Essa maga desdobrada
Em feitiços de furor
Baila até se ver quebrada
Parco lume sem fulgor
E a chama seminua,
Frágua bamba sem queimar,
Não é fagulha desprendida
Não é ave a esvoaçar
Mas os pássaros chalreados todos cegos
de vendafaixa não lhe falam de candor
esses presos,
na sobre-saia não lhe cantam de candor
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6. |
Elena Poena
03:37
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Elena Poena
Era avara e cobiçosa
E ciosa de roubar
Primeiro o fogo, depois logo
Enredo posto a rolar
Elena Poena
Era ávida manicurta
E cainha de enrolar
Seus: a pedra e o castigo
Coisas feitas de tramar
Elena Poena
Mirrada endiabrada
E travessa de assanhar
Três: trinca, unha e dente
Trio feito de enterrar
Houve um dia, houve um dia
Em que a pedra se quedou
Houve um dia, houve um dia
Em que a pedra lhe parou
Houve um dia, houve um dia
Que se quebrou o que lhe havia
Houve um dia, houve um dia
Que partiu monotonia
Elena Poena
Era pícara e ardilosa
E birrenta de cismar
Duas: a teima e a turra
Brio feito exagerar
Elena Poena
Era ufana e tufada
E delambida a atiçar
Dois: a graça e o encanto
Coisas feitas para usar
Elena Poena
Era parca e minguada
E com fome de atar
Três: corda, cabo e amarra
Coisas feitas para usar
"Elena Poena trepaba montaña arriba y abajo, tranquila,
empujando su piedra. Hasta que un dia la piedra se paró
Y Elena, en su desconcierto, continuó rolando sola
Y sólo rolando se sintió libre como la piedra
Y en su perdición, empezó a bailar."
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7. |
Em Condicional
03:23
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encontrou-se: Mulher perdida,
curou-se: Aquela enferma
libertou-se: Pela canela
finou-se: Nossa Poena
limpou-se:mão mordida
tragou-se: Aquela calda
olhou-se: ao passado
amou-se: Nossa Poena
Se, se, se
A liberdade desse cura de ser
perdeu-se: mulher achada
achacou-se: Aquela sarada
prendeu-se: Pela canela
viveu: nossa Poena
sujou-se: mão polida
lançou-se: Aquele choro
cegou-se: um futuro
morreu: nossa Poena
Se, se, se
A liberdade desse cura de ser
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8. |
O Trapezista
03:44
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À partida, é difícil de explicar
Mas é coisa sabida à chegada
Ainda que isso seja no fim
A saída sem haver entrada
E no canto está quem quer
Em espaço aberto, a olhar o céu
Na praça um único homem
Que quer um canto seu
E roda e roda
E voa e cai
E roda e roda
E voa e cai
Todavia é difícil de explicar
Mas é coisa sabida assim:
Que quem diz querer a queda
Não deseja sempre o fim
E no alto está quem quer
Chão seguro, sem vertigem
E na base, o único homem
Que ao alto se prometeu
E roda e roda
E voa e cai
E roda e roda
E voa e cai
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9. |
Galgar
04:03
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Rombos nas portas
Frinchas nos tectos
A brecha pela parede
Feito roto de acinte
Galga tudo de freio nos dentes,
Interessa pouco o que se ganhe
tampouco o que se enfrente
Bombos às portas
Ferros sem notas
Toada sem o revede
Feito pronto de ouvinte
Galga tudo aquilo que sente
Interessa pouco o que s´apanhe
Tampouco o que se tente
Nenhum pedinte de nada
Só desapego e galgada
Sente-se a leiva na veia
Sangue posto no peito
Tombos às sotas
Trotes querendo
Galope pela calada
Feito fogo urgente
Galga tudo aquilo que entende
Interessa pouco onde se chegue
Tampouco o que se pene
Rombo na porta
Um bombo sem nota
A brecha, o ferro e os trotes
Feito raio de acinte
Galga tudo de rédea ardente
Interessa pouco ou quase nada
Todo o que não se enfrente
Nenhum pedinte de nada
Só desapego e galgada
Sente-se a leiva na veia
Sangue posto no peito
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10. |
Sol de Março
03:56
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Vento que move cega se na fronte
Sonho feito furado é correntio
Veloz caído vê-se muito parado
Rútilo sol de Março faz arrepio
A razão tem razão de ser
Mas sê-lo não é dócil regra
Vulgo é binómio sinuoso
E a ignorância, coisa certa
Faz-se bem-aventurança
Sofre-se maquinalmente
Ora o passado alcança e prende
Ora o passado alcança e prende
Vento que cega some-se na fronte
Sonho feito parado é doentio
Voz perdida faz um certo calado
Rútilo sol de Março faz arrepio
O perdão tem razão de ser
Mas só depois uma sentença
Vulgo é o indulto tortuoso
E do rancor não se liberta
Faz-se bem-aventurança
Sofre-se maquinalmente
Ora o passado alcança e prende
Ora o passado alcança e prende
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11. |
As Calendas
04:35
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Entre a púa e a raíz
Há tanto que cair
Das calendas aos idos
Há tanto que cair
Há tanto que cair
Há tanto que
Há tanto
Há
Há que ter a leve esperança
que a queda faz a sua dança
Entre o cume e o calvário
Há muito que ruir
Das calendas aos findos
Há muito que ruir
Há muito que ruir
Há muito que
Há muito
Há
É no encanto dessa dança
que a queda se amansa
Entre o todo e o triz
Há tanto que agir
Das calendas aos idos
Há tanto que agir
Há tanto que agir
Há tanto que
Há tanto
Há
Há que ter a leve esperança
que a queda faz a sua dança
É no encanto dessa dança
que a queda se amansa
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12. |
Fado do Salto
06:03
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É um salto dado ao alto
De um ramo sem saber
Se ele parte ou aguenta
Se nos basta um querer
É um salto dado ao alto
Longe de um certo chão
Sem qualquer desconfiança
Uma só hesitação
É um salto dado ao alto
Pela cordilheira ausente
Pelo morro imponderável
Para aquilo que se sente
É um salto dado ao alto
Mergulhando sem saber
Esboçar num voo volátil
Queda feita sem sofrer
É um salto dado ao alto
De um só sonho sem medo
De voltar sem ver a vista
De um regresso feito cedo
É um salto dado ao alto
Sem querer voltar a chão
Sem vontade de regresso
Ou medo de antemão
É um salto dado ao alto
O corpo lançado à mão
Nem corda nem amarra
É subir sem mosquetão
É um salto dado ao alto
Sem saltar para nenhum lado
É só querer, é só um acto
Destino, sina, sorte ou fado
É um salto dado ao alto
Amar sem desilusão
Viver sem ver a morte
Preparado de antemão
É um salto dado ao alto
O regresso à inocência
De um ramo para o outro
Sem uma só referência
É um salto dado ao alto
De uma torre de ilusão
Campanário da quimera
Faz-de-conta ou ficção
É um salto dado ao alto
Um esforço, uma façanha
Sem a escolha ou o retorno
Tombado sem varanda
É um salto dado ao alto
Feito sem gravidade
Perícia inútil ou traquejo
Jogo sem qualquer idade
É um salto dado ao alto
Sem saber de direcção
Nenhum norte, só um sol
Mise-en-scène, encenação
É um salto dado ao alto
Querendo sem tudo crer
Mas ter fé que aconteça
Feito apenas de um saber
É um salto dado ao alto
Sem querer voltar ao chão
Uma vontade de furar
De escapar à escuridão
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MEDEIROS/LUCAS Azores, Portugal
Carlos Medeiros e Pedro Lucas são dois açorianos separados por 30 anos. Ao longo de 3 discos juntaram uma família de músicos e artistas de outras penas para concretizar a sua forma particular de cantar a língua portuguesa.
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